26 de setembro de 2014 13h22min - Atualizado em 26 de setembro de 2014 às 13h22min

Palestra do desembargador Amilton Bueno de Carvalho marca solenidade de abertura do II Congresso dos Defensores Públicos de Rondônia

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Ao final do primeiro dia de debates, defensores públicos de várias regiões do Brasil e acadêmicos de Direito reuniram-se no auditório da Uniron Campus Shopping para a palestra de abertura oficial do III Seminário da ENADEP e II Congresso dos Defensores Públicos de Rondônia. Proferida pelo desembargador gaúcho Amilton Bueno de Carvalho, a apresentação teve como tema “O papel do defensor público na defesa do um contra todos”.  Autor da obra “Direito Penal a marteladas – algo sobre Nietzsche e o Direito”, Carvalho falou ao público logo após uma breve abertura com mesa composta pelo defensor público-geral Antônio Fontoura, ao lado do presidente da Amdepro Andre Vilas Boas, do vice-presidente da entidade, Daniel  Mendes, do representante da Anadep, Carlos Almeida Filho e do representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Artur Leandro Veloso.

“Nos meus eventuais crimes, eu preferiria ser defendido por defensores públicos do que por um defensor privado”, iniciou Carvalho, revelando logo nas primeiras palavras sua admiração pelos profissionais. E prosseguiu crítico: “O judiciário vive hoje um momento que Nietzsche define como “o grande vácuo”. Acho que ele morreu e o novo não nasceu ainda”, sentenciou. Segundo o desembargador, o modelo como está posto não tem como funcionar. “O Poder Judiciário é feito espetacularmente bem, porque aquilo é feito para não funcionar, e nós ficamos aí fazendo parte deste espetáculo. E deste espetáculo esquizofrênico surge algo novo que é a Defensoria. O Ministério Público (MP) já veio e já demonstrou para o que não serve. O judiciário, desde o tempo de Dom Pedro mostra pra que não serve. E vocês servem pra que? Talvez essa seja a primeira pergunta que a Defensoris tenha que se fazer. Vamos fazer parte deste espetáculo, e deixar as coisas como estão, que é fácil, ou vamos representar uma revolução? ” questionou. E foi mais fundo “Vocês servem para alguma coisa? Ou vocês estão aqui para ser mais um burocrata preocupado com seus ganhos, com seu status, com a bolsa Fendi, com a sua camionete? Será que cada pagamento que fazemos pra vocês possivelmente é pelos belos olhos, ou será que pagamos pelo resgate da cidadania?”, alfinetou.

Um contra todos

Conforme análise de Carvalho, quando se tem um crime, temos contra um indivíduo toda a estrutura da polícia, do Poder Executivo, que precisa encontrar um culpado. Ainda toda a estrutura do MP que necessita condenar esse culpado, porque deve dar uma explicação à sociedade. Contra também está grande maioria dos juízes, que, na sua opinião, ainda não conseguiram perceber a sua função. Se entendem como parte do aparato de segurança do Estado. E isso gera uma relação incestuosa com o MP, que gera uma relação incestuosa com a polícia. “Contra esse cara temos ainda toda a estrutura da mídia que busca a espetacularização da violência, toda uma sociedade civil. nossos pais, nossos amigos. E já não interessa se ele praticou o fato ou não. A favor dele, para defendê-lo, tenho apenas um. E este um que ousa defender o um contra todos começa a sofrer preconceito da sociedade, e dos próprios advogados, e dentro até de alguns segmentos da Defensoria”, completou concluindo que defensor penal não pode ser qualquer um. “Porque ele vai enfrentar todos estes traumas. Como ser defensor público tendo nojo de pobre?”

Direito penal e Nietzsche

Estudioso da obra do filósofo alemão há anos, o desembargador se serviu de uma fala de Nietzsche que diz: “A justiça apresentou-se diante de mim. Daí eu quebrei todos os meus ídolos e me envergonhei, perdi a ilusão. Submeti-me a uma penitencia e obriguei o meu olho a olhar para onde ele não gostaria de olhar. E lá levar o amor”. A partir desta idéia, Carvalho defendeu que é lá onde os olhos não querem ver é que temos que tentar levar o amor. “Nosso ato de amor seria uma defesa absurdamente competente. Uma relação direta em que vais ou não vais fazer alguma coisa. Por isso acho que temos que ter um bom salário, para servir. Que me permita independência para que possa dizer não a todos em favor do um”, afirmou.

Com relação à criminalidade, tão complexa que não há quem tenha resposta, Carvalho é enfático: “O cara que descobrir a causa da criminalidade ganha um prêmio Nobel. Mas o idiota sabe, porque um idiota não tem dúvidas. É característica da idiotia ter respostas.  E ele precisa de uma resposta absoluta, metafísica. E como não consegue dar respostas simplifica a complexidade e apropria verdades do senso comum. Mas o pior de tudo não é isso. Se eu acredito que o problema da violência é a impunidade, o que vou fazer? Aumentar as penas, reduzir direitos, colocar todos na cadeia, porque eu acredito nisso. E é a nossa realidade. Estamos vivendo em uma mentira”, criticou, destacando que nunca se puniu tanto como se pune no Brasil.

Apontou a aplicação da filosofia para a compreensão do direito de forma a perceber as armadilhas desta máquina que oferece vantagens. “O pensamento intelectualizado, que pode projetar o novo, passa por se espantar, como refere Aristóteles. Nesse espantar reconheces a tua ignorância e passas a não querer fazer parte dela, a não querer ser mais um. Vamos tentar olhar o direito penal no que ele é e não o discurso que fazem sobre ele. Ver água e não Poseidon. Tentar desdivinizar o direito penal, destruir esse idiotizante fascínio que temos sobre ele”, disse, aludindo ao pré-socrático Tales de Mileto.

O que fazer?

Não tem como discutir direito penal sem discutir o poder. Ele só existe porque alguém, em algum momento, estabeleceu o que é crime. E só existe crime se houver lei que o defina. E quem faz a lei? Quem tem poder. Com este raciocínio Carvalho falou sobre uma  relação de amor e ódio com a lei, ou seja com o poder. E a necessidade prememnte de rompê-la. “Só existe poder se houver obedientes. É da essência do poder mandar. Se tu te recusa a obedecer, desaparece o poder. E por que então temos que obedecer? O Nietzsche vai dizer que a humanidade foi baseada no mando de um sobre outros e acabamos introjetando isso no DNA, mas também diz que essa sujeição a ele existe para justificar o mando nos que estão abaixo. E afirma que os seres humanos maus buscam o poder. O que quero dizer é que o poder não é amiguinho dos direitos humanos. Todas as lutas de vocês são contra o abuso do poder. E o poder é abusivo”, alertou. E interpreta o direito penal como a face mais cruel do poder, já que elege os indesejados para destruí-los. “Mas ele é cruel porque ele é mentiroso. Ele não cumpre as suas promessas. Ele não resolve nada na criminalidade, porque ele chega tarde. Ele não desfaz os fatos. E não impede que o crime ocorra”.

Então, para onde ir, o que fazer? Há, segundo o desembargador, algumas pistas. Talvez destroçar mitos. Lutar para que as pessoas sofram o menos possível, reduzir danos, buscar o direito penal para as coisas sérias, situações de caos. “Às vezes o melhor que se pode ser é o estranho familiar de Freud, simplesmente estar do lado do atendido. Não silenciar diante do abuso do poder, gritar, publicizar a dor e indicar os causadores. Por isso preciso do defensor independente, para denunciar o mal estar causado pelos agentes do poder. Desgraçado o defensor que não se contamina pela dor do acusado. Se não se contaminar vá ser outra coisa. É execrável o defensor que negocia direitos. No fim do mês tua graninha vai estar lá, mas quem vai sofrer as consequências do teu trabalho? Esse é um problema ético insuportável. A função do defensor é tentar reduzir os espaços de arbítrio que determinam a desigualdade”, concluiu.

Fonte: Anadep

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