Artigo: Todo dia é dia de Consciência Negra: O Haiti é aqui!, por Fábio Roberto
O papel da Defensoria Pública na promoção da igualdade racial.
Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
(Haiti, de Caetano Veloso)
Inicialmente, cumpre salientar que o debate sobre discriminação racial não está adstrito apenas ao dia 20 de novembro, data alusiva a morte de Zumbi dos Palmares, que ocorreu em 1695. A discussão dialética deve perdurar cotidianamente no ambiente acadêmico, no meio jurídico e na seara jornalística.
A ideia desse trabalho é apresentar, ao longo dos próximos dias 05, (quatro) entrevistas sobre o tema que envolve a consciência negra e o fortalecimento dos direitos humanos na perspectiva da diversidade ético-racial.
Antes de começarmos o bloco das entrevistas, é importante estabelecer uma introdução com base em acontecimentos históricos que retratam os movimentos sociais e os avanços, bem como dados estatísticos que evidenciam a necessidade de evoluir nas conquistas.
Desde a destruição do Quilombo dos Palmares em 1710, passando pela Lei Imperial 3.353, de 13 de maio de 1888 (Lei Áurea), o sistema global (e interamericano) de proteção internacional dos direitos humanos e o arcabouço brasileiro, a passos lentos, evoluíram no sentido de vedar a discriminação e o preconceito racial, com o fito de construir uma sociedade justa, igualitária e solidária sem atos discriminatórios.
O Direito internacional dos Direitos Humanos, após a Segunda Guerra Mundial, passa por processo de internacionalização e, posteriormente, um processo de especificação da proteção dos sujeitos, resguardando os direitos de grupos minoritários. Nessa perspectiva normativa, a minoria étnico-racial, em vários instrumentos normativos, de forma genérica e de maneira específica, foi protegida. O epicentro é a dignidade da pessoa humana negra e a isonomia.
A título de exemplo, no sistema onusiano, citam-se o artigo II, da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948; o artigo 26, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966; a Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 20 de novembro de 1963; a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 21 de dezembro de 1965 (incorporado no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 65.810, de 08 de dezembro de 1969).
No âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), podem-se destacar o art. II, da Declaração América de Direitos Humanos; o art. 1º, do Pacto de São José da Costa Rica; e, recentemente, a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, de 05 de junho de 2013 (ainda não incorporada ao ordenamento interno brasileiro, mas já assinada pelo Presidente).
A Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatadas de Intolerância (Durban, África – 2001) foi um marco relevante, pois o governo brasileiro passa a efetivamente cumprir as resoluções determinadas internacionalmente pelos órgãos de Direitos Humanos.
No Brasil, após vários movimentos sociais (em 1835, revolta dos Malês na Bahia; entre 1835 e 1840, Cabanagem, revolta popular no Pará; entre 1838 e 1841, Balaiada, revolta popular no Maranhão; em 1910, revolta da Chibata; Grupo Frente Negra etc.), o legislador (infra)constitucional preocupou-se com o fim da escravidão, a igualdade formal de todos e a criminalização de práticas discriminatórias.
Cronologicamente, podem-se citar alguns avanços legislativos: a Lei Eusébio de Queiroz (proibindo o tráfico de escravos), a Lei Afonso Arino (lei 1390/1951 – proibição da discriminação racial), a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (proibição de discriminação e reconhecimento da propriedade das terras quilombolas), a Lei Caó em 1989 (tipificação da injúria racial no art. 150 do Código Penal) e a política de reservas de vagas em universidade públicas (Lei 12.711/12) e em concursos públicos (Lei 12.990/14) para população negra.
Também faz necessário mencionar os movimentos sociais e acadêmicos no brasil em prol dos direitos civis, políticos, sociais, culturais e econômicos da população negra. Esses grupos sofrem a influência, já na década de 60, do Movimento dos Direitos Civis nos Estados Unidos e a luta africana contra a segregação racial.
Para arrematar, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade da política de cotas para negros, tendo como argumento a tridimensionalidade do princípio da igualdade (formal, material e de reconhecimento/status). O acórdão pontuou que no Brasil, a análise do tema das ações afirmativas deve basear-se, sobretudo, em estudos históricos, sociológicos e antropológicos sobre as relações raciais em nosso país.
Depois de algumas conquistas – isso não se pode negar apesar de lentas – pairam no ar as seguintes perguntas: o Brasil agora vive na democracia racial? Há isonomia entre a casa grande e a senzala? A igualdade de oportunidade é plena?
Pela pertinência, pontuam-se alguns dados estatísticos levantado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE sobre a desigualdade racial. Os índices demonstram que as oportunidades da população preta e pardos são menores das demais pessoas.
63,7% (8,3 milhões) dos desempregados são pretos e pardos.
Enquanto o rendimento médio dos brasileiros é de R$ 1. 531,00, enquanto a média dos brancos alcança R$ 2.757,00. Pretos e pardos somam 66% dos trabalhadores domésticos e 66,7% dos vendedores ambulantes, mas representam apenas 33% dos empregadores.
Também foi citado no corpo do acórdão do julgamento da ADPF 186 mais dados estatísticos que corroboram com a ideia acima aventada. Veja:
Continuaram dizendo que, com base em estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, existe no País uma flagrante desigualdade de oportunidades entre os brancos e os negros (pretos e pardos). Ademais, notaram que a dificuldade de acesso dos negros à universidade não diminui com a expansão de vagas. Registraram, também, que, segundo dados IBGE, colhidos em pesquisa realizada no ano de 2000, somente 19,55% dos universitários eram negros (pretos e pardos), enquanto a população negra correspondia a 44,66% do total da população brasileira.
Além da falta de oportunidade, ainda é necessário trazer algumas práticas de racismo, veladas ou explícitas. Desde pequenas violências simbólicas enfrentadas no dia a dia pelos negros até atos de barbárie banalizado por alguns. Citam-se nesse contexto os seguintes exemplos: jogadores de futebol chamados de “macacos” em estádios; mensagens ofensivas destinadas a atores, jornalistas e atletas negros através das redes sociais – como o caso nacionalmente conhecido, relacionado à jornalista Maria Júlia Coutinho (Maju, apresentadora de meteorologia do Jornal Nacional, Rede Globo); alunos em idade escolar alvo de preconceito por seus cabelos; e a perseguição a religiões de matriz africana no Brasil.
É fato que o racismo existe. A questão que se impõe é como alcançar a isonomia de oportunidades e como superar a desigualdade socioeconômica, bem como a forma adequada de educação em direito para a realização/concretização de uma sociedade igualitária, solidária e fraterna.
Para responder algumas inquietações científicas sobre o assunto, a partir de um corte transversal do conhecimento (interdisciplinaridade), 05 entrevistas foram feitas, da seguinte forma.
1º Bloco de entrevista: O Haiti é aqui! Entrevista com Samuel Lourenço Filho, ex-reeducando do sistema prisional e acadêmico do curso de Gestão Publica para o Desenvolvimento Econômico e Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
2º Bloco de entrevistas: Problema Social. Entrevista com Iolanda de Oliveira, Doutora em Psicologia da Educação pela Universidade de São Paulo, Professora da Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense e do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira como Pesquisadora e Coordenadora de cursos de extensão e de especialização de profissionais da educação básica. Entrevista com Fernanda do Nascimento Thomaz, Doutora em História da África pela Universidade Federal Fluminense, Professora da Universidade Federal de Juiz de Fora e Editora-chefe da Locus – Revista de História.
3º Bloco de entrevistas: Cidadania emancipatória e Educação em Direito: um olhar defensorial. Entrevista com Rosane M. Reis Lavigne, Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Poder Judiciário pela Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito Rio. Integrante do grupo de pesquisa Direitos Humanos, Poder Judiciário e Sociedade – DHPJS/UERJ e do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais- IPDMS. Feminista, participante da Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB e do Coletivo Mulheres Defensoras Públicas do Brasil. Articuladora do Fórum Justiça. Entrevista com Luciana da Mota Gomes de Souza, Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito Civil pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Ex- Coordenadora no Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivo da DPERJ.
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