22 de março de 2019 14h35min - Atualizado em 6 de maio de 2019 às 17h25min

Artigo: “A promoção e conscientização da igualdade racial e o combate à discriminação racial e racismo diariamente a partir do direito fundamental à educação em direito”, por Fábio Roberto de Oliveira Santos

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Entrevistas: reflexões contínuas ente 21 de março e 20 de novembro

Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
(Haiti, de Caetano Veloso)

Defensor público de Rondônia Fabio Roberto dos Santos

Inicialmente, cumpre salientar que o debate sobre discriminação e racismo, na modalidade racial, não está adstrito apenas ao dia 21 de março (Dia Internacional contra a discriminação racial) ou no dia 20 de novembro (Dia da Consciência Negra).

A discussão dialética deve perdurar cotidianamente no ambiente acadêmico, no meio jurídico, na seara jornalística e sobretudo cotidianamente em nossos lares, trabalhos, nas redes sociais e outros espaços de convivência social.

Cumpre salientar que em uma sociedade fluída (BAUMAN), em que as relações sociais e interpessoais, por conta de vários fatores, cada vez mais se torna superficial e efêmeras e em que o “ser” e o “agir” é trocado por o “ter”. Nesse ponto, interessante é a leitura do livro Modernidade Líquida, de Zygmund Bauman, para entender a configuração sociológica atual e o conceito de modernidade líquida, bem como a leitura do livro Uma breve história da humanidade Sapiens, de Yuval Noah Harari, para compreender o significado ser humano a partir de nossas crenças, nossas ações, nosso poder e o por vir.

Aqui também é importante registrar o elevado índice de atitudes/pensamentos/mensagens discriminatórias, preconceituosas e racistas. Essas práticas crescem exponencialmente por conta da intolerância e da disseminação de ideias discriminatórias e racistas, sobretudo nas redes sociais no espaço da rede mundial de computadores.

A ideia é apresentar no dia 20 (vinte) de cada mês (até 20 de novembro) entrevistas sobre o tema que envolve discriminação racial, racismo racial, preconceito racial e consciência negra. Buscar-se-á refletir sobre a temática racial não só nos dias comemorativos, mas entre 21 de março e 20 de novembro, despertando assim a reflexão continuada da questão.

Nesse contexto, cabe a Defensoria Pública, enquanto instituição nacional, e aos defensores públicos , na qualidade de agentes políticos, promover os direitos humanos e fundamentais de inúmeras formas (tutela coletiva e individual, proteção da vítima, participação no processo legislativo, controle social nos conselhos federais, estaduais e municipais), mas sobretudo na densificação do direito fundamental à educação em direito. Isso tudo previsto no art. 5º, LXXIV e art. 134, ambos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) e no art. 1º e 3º-A, ambos da lei complementar 80, de 1994.

É papel da Defensoria Pública ouvir pessoas e pesquisadores e propagar as reflexões sobre temas ligados à discriminação/preconceito raciais e racismo (não só nas datas comemorativas como também diariamente).

Buscar-se- assim realizar, entre 21 de março e 20 de novembro, publicar entrevista para demonstrar que os direitos humanos estão em conexão com o cidadão todos os dias e que todo dia é dia para falar sobre discriminação/preconceito/racismo. Essas discussões visam fortalecer e efetivar os direitos na perspectiva da diversidade ético-racial por meio de reflexões científicas e empíricas, colaborando para a concretização dos objetivos constitucionais (construção de uma sociedade justa, igualitária e fraterna sem em preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação). É o que diz o artigo 3º da CRFB.

Antes de iniciarmos a apresentação dos blocos de entrevistas, é importante estabelecer uma introdução com base em acontecimentos históricos que retratam os movimentos sociais e os avanços, bem como dados estatísticos que evidenciam a necessidade de evoluirmos nas conquistas.

O dia 21 de março (dia internacional contra a discriminação racial) foi escolhido em memória do “massacre de Shaperville” na África do Sul, em que 69 (sessenta e nove) negros pessoas foram mortas por militares do regime do Apartheid durante uma manifestação de 20 (vinte) mil pessoas. As pessoas protestavam contra a “lei do passe” obrigava os negros a andarem com identificações que limitavam os locais por onde poderiam circular dentro da cidade.

Já a escolha do dia 20 de novembro (dia da Consciência Negra) é alusiva a morte de Zumbi dos Palmares, que ocorreu em 1695. Esse dia representa a resistência negra contra o tratamento discriminatório.

Ademais, é mister dizer que o Direito Internacional dos Direitos Humanos, após a Segunda Guerra Mundial, passa por um processo de internacionalização e, posteriormente, um processo de especificação da proteção dos sujeitos, resguardando os direitos de grupos minoritários. Nessa perspectiva normativa, a minoria (não necessariamente quantitativa) étnico-racial, em vários instrumentos internacionais foi protegida pelo hard law e pelo solft law. O epicentro é a dignidade da pessoa humana negra (pretos e afrodescentes) e a isonomia tridimensional (formal, material e de reconhecimento).

A título de exemplo, no sistema onusiano, citam-se o artigo II, da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948; o artigo 26, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966; a Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 20 de novembro de 1963; a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 21 de dezembro de 1965 (incorporado no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 65.810, de 08 de dezembro de 1969).

O Artigo I da Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial prescreve que “discriminação Racial significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada na raça, cor, ascendência, origem étnica ou nacional com a finalidade ou o efeito de impedir ou dificultar o reconhecimento e exercício, em bases de igualdade, aos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou qualquer outra área da vida pública”.

No âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), podem-se destacar o art. II, da Declaração América de Direitos Humanos; o art. 1º, do Pacto de São José da Costa Rica; e, recentemente, a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, de 05 de junho de 2013 (ainda não incorporada ao ordenamento interno brasileiro, mas já assinada pelo Presidente).

A Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatadas de Intolerância (Durban, África – 2001) foi um marco relevante, pois o governo brasileiro passa a efetivamente cumprir as resoluções determinadas internacionalmente pelos órgãos de Direitos Humanos.

No Brasil, após vários movimentos sociais (em 1835, revolta dos Malês na Bahia; entre 1835 e 1840, Cabanagem, revolta popular no Pará; entre 1838 e 1841, Balaiada, revolta popular no Maranhão; em 1910, revolta da Chibata; Grupo Frente Negra etc.), o legislador (infra)constitucional preocupou-se com o fim da escravidão, a igualdade formal de todos e a criminalização de práticas discriminatórias.

Cronologicamente, podem-se citar alguns avanços legislativos: a Lei Eusébio de Queiroz (proibindo o tráfico de escravos), a Lei Afonso Arino (lei 1390/1951 – proibição da discriminação racial), a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (proibição de discriminação e reconhecimento da propriedade das terras quilombolas), a Lei Caó em 1989 (tipificação da injúria racial no art. 150 do Código Penal) e a política de reservas de vagas em universidade públicas (Lei 12.711/12) e em concursos públicos (Lei 12.990/14) para população negra.

Outrossim, faz necessário mencionar os movimentos sociais e acadêmicos no Brasil em prol dos direitos civis, políticos, sociais, culturais e econômicos da população negra. Esses grupos sofrem influência, já na década de 60, do Movimento dos Direitos Civis nos Estados Unidos e a luta africana contra a segregação racial.

Ainda, nesse cenário, é importante mencionar a importância do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186. O Plenário do Supremo Tribunal Federal na ADPF reconheceu a constitucionalidade da política de cotas para negros, tendo como argumento a tridimensionalidade do princípio da igualdade (formal, material e de reconhecimento/status).

O acórdão do julgamento da ADPF ponta que, no Brasil, a análise do tema das ações afirmativas deve basear-se, sobretudo, em estudos históricos, sociológicos e antropológicos sobre as relações raciais em nosso país e que densificação da dignidade da pessoa humana passa pela concretude do princípio da igualdade em suas três dimensões (isonomia formal, isonomia material e isonomia de reconhecimento ou status).

O acórdão acima mencionado faz uma retrospectiva histórica sobre o tema no Brasil, desde a década de 30 do século passado.

Depois de algumas conquistas – isso não se pode negar apesar de lentas – pairam no ar as seguintes perguntas: o Brasil agora vive na democracia racial? Há isonomia entre a casa grande e a senzala? A igualdade de oportunidade é plena?

Pela pertinência, pontuam-se alguns dados estatísticos levantado sobre a desigualdade racial. Os índices demonstram que as oportunidades da população preta e pardos são menores das demais pessoas.

– 63,7% (8,3 milhões) dos desempregados são pretos e pardos. (IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios)
– Enquanto o rendimento médio dos brasileiros é de R$ 1. 531,00, enquanto a média dos brancos alcança R$ 2.757,00. Pretos e pardos somam 66% dos trabalhadores domésticos e 66,7% dos vendedores ambulantes, mas representam apenas 33% dos empregadores. (IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios)
– Registraram, também, que, segundo dados IBGE, colhidos em pesquisa realizada no ano de 2000, somente 19,55% dos universitários eram negros (pretos e pardos), enquanto a população negra correspondia a 44,66% do total da população brasileira. (acórdão da ADPF 186).

Além da falta de oportunidade, ainda é necessário trazer algumas práticas de racismo, veladas ou explícitas, que vão desde pequenas violências simbólicas enfrentadas cotidianamente pelos negros até atos de barbárie banalizado por alguns.

Citam-se nesse contexto os seguintes exemplos de práticas camufladas de discriminação racial ou racismo: jogadores de futebol chamados de “macacos” em estádios; mensagens ofensivas destinadas a atores, jornalistas e atletas negros através das redes sociais – como o caso nacionalmente conhecido, relacionado à jornalista Maria Júlia Coutinho (Maju, apresentadora de meteorologia do Jornal Nacional, Rede Globo); alunos em idade escolar alvo de preconceito por seus cabelos; e a perseguição a religiões de matriz africana no Brasil.

É fato que o racismo existe. A questão que se impõe é como alcançar a isonomia de oportunidades e de reconhecimento (de status) e como superar a desigualdade socioeconômica, bem como a forma adequada de educação em direito para a realização/concretização de um mundo melhor.

Para responder algumas inquietações científicas sobre o assunto, a partir de um corte transversal do conhecimento (interdisciplinaridade), realizaremos entrevistas sobre o tema, de modo a fomentar a discussão.

 

1º Bloco de entrevistas: Problema Social.

Entrevista com Fernanda do Nascimento Thomaz, Doutora em História da África pela Universidade Federal Fluminense, Professora da Universidade Federal de Juiz de Fora e Editora-chefe da Locus – Revista de História.

 

Entrevista com Iolanda de Oliveira, Doutora em Psicologia da Educação pela Universidade de São Paulo, Professora da Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense e do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira como Pesquisadora e Coordenadora de cursos de extensão e de especialização de profissionais da educação básica.

 

2º Bloco de entrevista: O Haiti é aqui!

Entrevista com Samuel Lourenço Filho, ex-reeducando do sistema prisional, graduado em Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Autor do livro Além das grades.

 

3º Bloco de entrevistas: Cidadania emancipatória e Educação em Direito: um olhar defensorial.

Entrevista com Rosane M. Reis Lavigne, Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Poder Judiciário pela Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito Rio. Integrante do grupo de pesquisa Direitos Humanos, Poder Judiciário e Sociedade – DHPJS/UERJ e do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais- IPDMS. Feminista, participante da Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB e do Coletivo Mulheres Defensoras Públicas do Brasil. Articuladora do Fórum Justiça.

Entrevista com Luciana da Mota Gomes de Souza, Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito Civil pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Ex- Coordenadora no Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivo da DPERJ.

 

4º Bloco de entrevistas: E agora José? Os efeitos jurídicos de práticas raciais discriminatórias

Entrevista com Matheus Kuhn Gonçalves, Professor e Promotor de Justiça do Estado de Rondônia). Mestrando em Ciências Jurídicas pela Univali-SC. Especialização em Direito Penal e Processo Penal. Especialização em combate à corrupção e desvio de verbas públicas. Autor do livro Legislação penal especial: (tráfico de drogas, tortura e crimes hediondos).

Fonte da Notícia: Fábio Roberto de Oliveira Santos – cidadão, professor, defensor público de Rondônia, mestrando, professor de Direitos Humanos e de Direito Constitucional da Uniron, e idealizador do projeto Direitos Humanos em conexão com você.