25 de junho de 2020 13h58min - Atualizado em 25 de junho de 2020 às 14h00min

Artigo de defensor público de RO “Júri por videoconferência é inconstitucional” é publicado no Conjur

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O artigo intitulado “Juri por videoconferência é inconstitucional”, escrito pelo defensor público de Rondônia Diego de Azevedo Simão, foi publicado no Conjur, na quarta-feira (24). Na redação, Diego faz uma análise sobre a proposta apresentada como medida necessária durante o período de pandemia do novo coronavírus. Veja o artigo na íntegra abaixo:

Artigo: “Júri por videoconferência é inconstitucional”, por Diego de Azevedo Simão

Tramita perante o CNJ proposta de ato normativo para autorizar a realização de “sessões de julgamento com auxílio de videoconferência no âmbito dos tribunais do júri”.

A proposta é apresentada como medida necessária para realização de julgamentos durante o período da pandemia da Covid-19, considerando o grande quantitativo de réus presos aguardando julgamento, para a garantia constitucional da duração razoável do processo (artigo 5º, LXXXVII, da CR), bem como em razão da previsão legal de utilização de sistema de videoconferência para a realização de atos judiciais.

Com a devida vênia, a proposta apresentada, ainda que se considere a excepcionalidade do momento atual em razão da pandemia da Covid-19, é carente de constitucionalidade e de legalidade.

De largada, observa-se que o CNJ não possui competência constitucional para disciplinar e nem mesmo alterar as regras processuais referentes à sessão de julgamento pelo tribunal do júri, a uma porque a competência para legislar sobre processo penal é da União (artigo 22, I, CR/88); em segundo lugar, porque não se trata de matéria prevista no artigo 103-B da Constituição da República.

Além disso, é necessário esclarecer que a duração razoável do processo, indicada na minuta da proposta como uma das razões do ato normativo, é direito fundamental que assegura ao cidadão o direito de ser julgado em prazo razoável, em um julgamento que observe o devido processo legal. Ou seja, a garantia da duração razoável do processo não autoriza a supressão da plenitude da defesa e do devido processo legal nem mesmo em tempos excepcionais como o momento da atual pandemia.

No que diz respeito ao grande quantitativo de réus presos, deve-se, aí, sim, invocar o princípio da duração razoável do processo em conjunto com o princípio da presunção de inocência, a fim de que sejam as prisões preventivas reapreciadas e mantidas apenas aquelas cuja cautela ainda se apresente necessária ante a existência de fatos novos e contemporâneos que justifiquem a aplicação da prisão. É justamente isso que determinam os artigos 312, parágrafo 2º [1], e 316 do CPP [2].

Mas não é só isso. O ato normativo proposto fere de morte o princípio da plenitude da defesa.

Não custa recordar que o julgamento pelo júri popular é cercado de características peculiares e que não estão presentes no julgamento pelo juízo singular. A análise dos comportamentos dos jurados, a postura das testemunhas de acusação e defesa, a autodefesa exercida pelo acusado em seu interrogatório, a proximidade entre defesa e acusado para manutenção de diálogos durante todo o julgamento são peculiaridades inerentes ao tribunal do júri cuja análise é imprescindível ao exercício da defesa plena.

Nessa ordem de ideias, a previsão de que o réu preso deverá acompanhar o julgamento por sistema de videoconferência da cadeia — em vez de presente em plenário se assim desejar — retirará o direito de presença, o direito do seu “dia na Corte”.

Além disso, não custa recordar que a manutenção de algemas e o uso de uniforme do presídio em plenário já foram consideradas pelo STJ como violação à plenitude da defesa. Pelas mesmas razões, o interrogatório do réu preso, de dentro do presídio, também acarretará a violação da plenitude de defesa no julgamento perante o tribunal do júri.

Chama a atenção o contido no artigo 2º, §3º, da proposta normativa do CNJ [3], que dispõe sobre a possibilidade de o réu solto optar por comparecer pessoalmente à sessão de julgamento, enquanto o réu preso deverá participar por videoconferência. Essa previsão inverte a lógica construída pelo Código de Processo Penal ao dispensar o réu preso da presença física em plenário. Em resumo, torna sem efeito o artigo 457, §2º, do CPP.

É que, nos termos do artigo 457 do CPP [4], o julgamento pelo tribunal do júri não será adiado pelo não comparecimento do réu solto, mas o adiamento ocorrerá em caso de réu preso caso ele não seja apresentado, a não ser que exista pedido de dispensa de comparecimento subscrito por acusado e sua defesa.

Ora, o Código de Processo Penal garante ao acusado o direito de presença na sessão do tribunal do júri, chegando ao ponto de determinar a suspensão do julgamento do réu preso caso ele não seja apresentado pelo Estado. Quanto ao réu solto, estando em liberdade, pode comparecer sem necessidade de ser apresentado.

Essa disciplina legal, por óbvio, tem por escopo garantir o exercício, pelo réu, da plenitude da defesa, assegurada no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “a”, da Constituição da República, com a apresentação do acusado no tribunal do júri, na presença do conselho de sentença. Presença física, portanto, não virtual.

Note-se que mesmo havendo a previsão excepcional para a realização de interrogatório por sistema de videoconferência (artigo 185, §2º, do CPP), em razão da plenitude da defesa e da regra especial contida no artigo 457 do CPP, não há espaço para a realização de interrogatório por videoconferência na sessão do tribunal do júri. Portanto, também não existe autorização para a realização do júri no modo virtualizado.

Outro problema que a proposta formulada apresenta diz respeito a impossibilidade de se garantir a incomunicabilidade e o sigilo das votações, assegurada no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “b”, da Constituição da República.

Isso porque o artigo 4º [5] da proposta do ato normativo possibilita o início da sessão de julgamento por meio virtual, com o sorteio dos jurados que comporão o conselho de sentença, permitindo-se que, após o sorteio, os jurados compareçam à sala de sessões plenárias do tribunal do júri.

Tendo em vista o regramento do artigo 466, §1º, do CPP [6] de que, uma vez sorteados os jurados não poderão comunicar-se entre si ou com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do conselho de sentença e multa, como se poderá garantir a incomunicabilidade dos jurados? Como será possível assegurar que os jurados não efetuarão contato por telefone, aplicativos de mensagens ou mesmo pessoalmente uns com os outros, ou com terceiros, tendo por assunto o caso em julgamento?

Ainda que o mundo não retorne ao normal, e mesmo que necessário a adoção de saídas criativas, é imperioso ter em mente que as alternativas a serem buscadas não deverão jamais fragilizar direitos fundamentais.

Nos processos de competência do tribunal do júri envolvendo réu preso, é possível, em observância aos princípios da presunção de inocência e da duração razoável do processo reanalisar a prisões preventivas.

Nos casos de necessária manutenção da custódia cautelar, assim como de todos em que seja urgente o julgamento, é possível adoção de providências para a realizado do julgamento em forma presencial, da maneira como deve ser, com disponibilização de testes rápidos para Covid-19 para os presentes, com a adequação do ambiente da sala de sessões plenárias para assegurar a segurança à saúde de todos (com o distanciamento entre os presentes; máscara de acrílico, colocação de barreira de acrílico, adoção de medidas de higiene por meio da disponibilização de água e álcool em gel, limpeza minuciosa do local, dentre outras recomendadas por autoridades sanitárias), limitação de presença à sala de sessões plenárias apenas das pessoas envolvidas no julgamento, assegurando-se a publicidade externa por meio de gravação da sessão de julgamento e disponibilização do link para acesso pelos interessados.

É necessário, portanto, impedir que a excepcionalidade do momento atual não excepcione direitos e garantias fundamentais.

Conforme ressalta o magistrado e professor André Nicolitt, “o direito de se defender perante o juiz não pode ser exercido plenamente se entre homens existe uma máquina. O juiz, que não raro se esquece de sua condição humana e da condição humana daquele que está sob seu jugo, que não raro deixa de ver o homem que está atrás do número dos autos, com maior facilidade ainda, se perderá na insensibilidade quando entre ele e o homem em julgamento estiver uma máquina que apenas aproxima duas dimensões muito distantes” [7].

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[1] CPP. “Artigo 312 — §2º. A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada”. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

[2] CPP. “Artigo 316 — O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

[3] “§3º. Os representantes do Ministério Público e da Defesa, bem como o réu, se estiver solto, poderão optar entre comparecer pessoalmente à sessão de julgamento ou virtualmente por videoconferência, devendo, em qualquer caso, providenciar os equipamentos e a rede de internet necessários à sua participação”.

[4] CPP. “Artigo 457 — O julgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido regularmente intimado. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

§1º. Os pedidos de adiamento e as justificações de não comparecimento deverão ser, salvo comprovado motivo de força maior, previamente submetidos à apreciação do juiz presidente do Tribunal do Júri. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

§2º. Se o acusado preso não for conduzido, o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo se houver pedido de dispensa de comparecimento subscrito por ele e seu defensor”. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

[5] Proposta CNJ. “Artigo 4º — Na data designada, a sessão de julgamento do Tribunal do Júri poderá se iniciar virtualmente, pelo sistema de videoconferência, com o acompanhamento virtual do Juiz, do representante do Ministério Público, da Defesa técnica e do réu, momento em que será realizado o sorteio dos 7 jurados que comporão o conselho de sentença.

§1º. Caso o Juiz Presidente opte pelo procedimento previsto no caput, após o sorteio, o ato deve ser suspenso, para que o magistrado, os jurados sorteados, o secretário de audiência e os oficiais de justiça, no mesmo dia, se façam presentes à sala de sessões plenárias do Tribunal do Júri”.

[6] “§1º. O juiz presidente também advertirá os jurados de que, uma vez sorteados, não poderão comunicar-se entre si e com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do Conselho e multa, na forma do §2o do artigo 436 deste Código” (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008).

[7] In Manual de processo penal. 7. ed. Belo Horizonte: Editora D’Placido, 2018. p. 735.

Veja a publicação no Conjur aqui.

Fonte da Notícia: Diego de Azevedo Simão - defensor público de RO / Conjur