21 de abril de 2019 16h13min - Atualizado em 6 de maio de 2019 às 17h24min

“Entrevistas: reflexões contínuas entre 21 de março e 20 de novembro sobre promoção e a conscientização da igualdade racial e o combate à discriminação racial e racismo”, por Fábio Roberto de Oliveira Santos

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Entrevistas: reflexões contínuas entre 21 de março e 20 de novembro sobre promoção e a conscientização da igualdade racial e o combate à discriminação racial e racismo 

Por Fábio Roberto de Oliveira Santos,

Defensor Público do Estado de Rondônia e
Professor de Direitos Humanos e Constitucional

Defensor público Fábio Roberto de Oliveira Santos

A entrevista de hoje irá demonstrar quão necessário é o debate constante sobre discriminação, na modalidade racial, e sobre racismo. Isso não pode ocorrer apenas no dia 21 de março (Dia Internacional contra a discriminação racial) ou no dia 20 de novembro (Dia da Consciência Negra), mas sempre e diariamente, assim como outras formas de violações.

Esse bloco de entrevista faz parte do projeto Direitos Humanos em conexão com você, idealizado pelo Defensor Público Fábio Roberto, em que busca promover educação em direito, desmistificar a abrangência dos Direitos Humanos e refletir sobre a banalização e as violações diárias dessas categorias de direitos.

Antes de você começar a ler as entrevistas, lembramos que o texto inaugural dessas reflexões sobre a temática racial está no endereço virtual a seguir: https://bit.ly/2Fui01y

PRIMEIRO BLOCO DE ENTREVISTA: problema social

Entrevista com Fernanda do Nascimento Thomaz, Doutora em História da África pela Universidade Federal Fluminense, Professora da Universidade Federal de Juiz de Fora e Editora-chefe da Locus – Revista de História. 

  1. No ambiente acadêmico, já que você é professora na UFJF, ainda se verificam práticas racistas?

R: Sim, com certeza! As ações racistas eram até mais evidentes quando eu assumi o cargo na universidade. Lembro que me incomodava porque, durante o processo de realização do meu cadastro como funcionária pública, desde exame médico até a burocracia dos recursos humanos, os funcionários técnico-administrativos não entendiam qual era a minha função e sempre me questionavam, fazendo várias perguntas. Por vezes, eles achavam que havia algum equívoco no que eu dizia ou no que eles entendiam. Certamente, eles se perguntavam o seguinte: como uma mulher negra (com aparência de jovem) pode estar ocupando o cargo mais alto desta instituição? Em uma vez, resolvi decorar o nome oficial do meu cargo (que constava no registro do governo federal). Quando a funcionária me perguntou, eu respondi que era “docente do ensino superior”. Ela não aguentou e me perguntou se eu era contratada. Ela não conseguia conceber que eu era uma professora com doutorado e concursada. Enfim, eu teria inúmeras histórias para contar, mas essa é uma realidade que nós, intelectuais negros, vivenciamos constantemente. Mesmo que o nível social e a formação podem colocar uma pessoa negra em um patamar de poder ou de maior visibilidade, a capacidade dos negros é sempre posta em “cheque”. É claro que aprendi a lidar com isso, muitas das vezes, eu não dou a oportunidade para que as pessoas explicitem sua dúvida e desconfiança porque elas mesmas se assustam com a minha forma de ocupar os diferentes espaços sociais…

  1. Qual é a importância sociológica, histórica e acadêmica da lei 10639/03? Os objetivos dessa lei foram alcançados (diálogos do conhecimento e diretrizes curriculares)?

R: Em suma, a principal importância é combater o racismo histórico e estrutural que tem permeado a nossa sociedade, que tem silenciado, invisibilidade e oprimido os negros. Com isso, os negros têm sido excluídos das históricas contadas sobre o nosso país e, quando aparecem, é apenas na condição de escravo sem qualquer referência, tirando o seu lugar de sujeito histórico. Concordo plenamente com uma das defesas da intelectual Petronília Beatriz Gonçalves e Silva que dizia o seguinte: se quisermos uma sociedade democrática, temos que dar oportunidade para que todos os agentes sociais que construíram o nossos pais sejam incluídos na sua história. Sem dúvida, a lei 10639/03 é de extrema importância como um instrumento de luta. Mesmo assim, nesses quase 15 anos de existência dessa lei, os passos foram curtos, curtíssimos.

  1. Por que a Universidade é importante na construção de uma sociedade mais democrática como cita a Professora Petronília Beatriz? O papel do ensino superior nesse contexto está suficiente?

A universidade pública, em especial, é o lugar em que vemos passos um pouco mais largos, uma vez que abriram concursos em muitas universidades para professores de História da África, houve financiamento para pesquisas na área, para realização de alguns intercâmbios com certos países africanos, etc. É perceptível o aumento no número de pesquisadores na área desde 2003 até os dias atuais. Ainda assim carece de melhores políticas e financiamento na área, seja por parte do governo, seja por partes dos docentes/gestores das instituições de ensino superior no Brasil. Por exemplo, no meu departamento de História, meus colegas não têm noção do que leciono em sala de aula – eles não sabem e não têm interesse de saber. Ao mesmo tempo, sou a única professora da área. No meu concurso, eu tive que preparar pontos que abordavam questões da história africana desde do século VII até os dias atuais. Isso é humanamente impossível de ser lecionado em uma única disciplina. Afinal, os alunos têm apenas uma disciplina de História da África em toda a suagraduação. O que eu quero dizer é que tudo é muito “jogado”, há muitas resistências ainda para a implementação da disciplina. Isso é na universidade, agora, imagine, na rede básica! Na rede básica, pouco ou quase nada se fez, as condições são ainda mais precárias na rede básica de ensino, tanto pode parte das políticas governamentais (nos níveis federal, estadual e municipal) com investimento ainda mais exíguo e restrito do que ocorreu para as universidades, quanto por parte do corpo pedagógico das escolas. Os trabalhos realizados nas escolas, geralmente, têm sido ações individuais de alguns professores ou gestores, o que, muitas vezes, encontram resistências dos próprios colegas. Tenho acompanhado vários ex-alunos em suas atividades docentes, a realidade nesses espaços tem sido muito mais hostil e difícil para a implementação da lei.

  1. Qual é a tese do doutoramento da senhora?

R: O título da minha tese de doutorado é “O casaco que se vespe pelas costas…”. A minha proposta foi apresentar como os africanos agiam, reagiam e resistiam às atitudes colonialistas, sobretudo no que se refere a imposição do sistema jurídico português. Trabalhei como o norte de Moçambique e com três povos diferentes (macuas, macondes e muanis), tentei mostrar quais eram os formatos jurídicos em que estes povos tinham. Havia uma espécie de pluralismo jurídico entre os macuas que eram povos muçulmanos, por exemplo, que tinham uma base jurídica local e também utilizavam a sharia (a partir do Alcorão) como parte do seu sistema jurídico. As noções de justiça estavam presentes nessa sociedade macua não de forma harmônica, mas muitas vezes bastante conflituosas. Nesse contexto, diante da chegada da colonização portuguesa e de suas imposições, foram múltiplas as reações – negociações e resistências – dos africanos diante da tentativa de impor um direito português. Em suma, procurei mostrar as agências africanas, percebendo-os como sujeitos históricos, principalmente, de pessoas que estavam no escalão mais baixo daquela sociedade, onde o racismo as colocavam em um lugar de extrema submissão colonial.

  1. Qual é a importância da análise sobre a África, os africanos e os afrodescendentes?

R: Acredito que estudar África, Africanos e afrodescendentes permite dar voz a diferentes agentes sociais, mas também possibilita perceber a história a partir de um olhar menos eurocêntrico. Sem contar que, como falo com meus alunos, estudar África é uma forma de olhar para o “outro” (um outro que por vezes tão próximo e também tão distante) que nos faz pensar a “nós mesmos”, não só pela herança sociocultural, mas também porque nos possibilita fazer autocrítica sobre a nossa própria sociedade.

  1. Como a senhora ver a perseguição a religiões de matriz africana no Brasil?

R: É claro que essa perseguição atual não é algo novo na nossa sociedade. As religiões de matriz africana sempre sofreram algum tipo de perseguição. Aliás, elas nunca foram aceitas, mesmo com um discurso de um Estado laica e democrático. Só que, neste momento, essa perseguição tem uma nova roupagem. Eu não penso que essa perseguição seja apenas uma forma de intolerância religiosa, para mim, isso é racismo! Racismo porque se recusa, ofende e agride toda uma cultura de determinados grupos sociais – os negros.

  1. Qual é o livro/artigo interessante que indicaria para os pensadores do Direito?

R: Sei que a pauta da reflexão aqui é a questão racial, mas atualmente tenho me dedicado ao feminismo negro. Por isso, eu indicaria o livro de Ângela Davis, chamado “Mulheres, raça e classe”. Por que estou indicando este livro? Penso que, apesar da autora não tratar apenas de racismo, esta obra aborda como há inúmeras contradições sociais que estão entrelaçadas e são estruturais de nossa sociedade, hierarquizando e silenciando grupos, que muitas vezes naturalizamos e ignoramos essas formas de opressão. Entender que o racismo, em nossa sociedade, criou uma questão social, onde determinados grupos passaram a ter mais acesso/condições materiais, imateriais e simbólicos do que outros, é de extrema importância! Quando juntamos determinadas opressões, tais como raça e gênero, percebemos que pessoas são colocadas em um patamar ainda mais inferiorizante da sociedade, como o exemplo do lugar na mulher negra!

PRÓXIMA ENTREVISTA (20/05/2019) com Professora Iolanda de Oliveira, Doutora em Psicologia da Educação pela Universidade de São Paulo, Professora da Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense e do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira como Pesquisadora, Coordenadora de cursos de extensão e de especialização de profissionais da educação básica e autora de vários livros.

Fonte da Notícia: Fábio Roberto de Oliveira Santos – cidadão, professor, defensor público de Rondônia, mestrando, professor de Direitos Humanos e de Direito Constitucional da Uniron, e idealizador do projeto Direitos Humanos em conexão com você.