27 de setembro de 2014 07h21min - Atualizado em 27 de setembro de 2014 às 07h21min

Palestra de Marcelo Semer encerra atividades do II Congresso dos Defensores Públicos de Rondônia

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Com o tema “Defensoria Pública: Do acesso à justiça à luta contra o estado policial”, a palestra do juiz de direito Marcelo Semer encerrou, na noite de hoje (26), o II Congresso dos Defensores Públicos de Rondônia e o III Seminário ENADEP, em Porto Velho. O encontro, iniciado na quinta-feira (25), reuniu uma centena de defensores e acadêmicos de direito em torno do debate de temas como tutelas coletivas, direito penal, regularização fundiária, moradia popular além de proporcionar uma verdadeira aula sobre o papel do defensor público, ministrada pelo desembargador Amilton Bueno de Carvalho. O evento fez parte do calendário do projeto #ANADEPemMovimento, que visa fortalecer o debate em torno de assuntos que dizem respeito à legislação, doutrina e rotina diária da atuação dos defensores, levando ainda as discussões associativas para várias regiões do país. O próximo seminário já está agendado: ocorre nos dias 9 e 10 de outubro, em Santa Catarina.

Semer iniciou sua fala dando duas notícias. “A má é que não há uma palavra que eu vá dizer aqui que vocês não saibam. A notícia boa é que eu acho que vocês irão gostar de ouvir”, anunciou, já colocando sua visão da Defensoria como protagonista da justiça. “Em um país como esse, de tamanhas desigualdades, uma terra de despossuídos, e despossuídos de tanto, nada se aperfeiçoa sem a Defensoria Pública. Sem vocês a gente não consegue fazer o que a gente pretende fazer na justiça”, completou.  Defendeu que é importante que o juiz exerça sua liberdade de expressão para saber respeitar a dos demais. “Infelizmente muitos dos nossos colegas estão representando o papel de agente censor, enquanto deveriam estar respeitando as liberdades constitucionais”, afirmou.

Gestão no Judiciário

Com relação à Defensoria, reconheceu as imensas dificuldades pelas quais passa a Instituição. Acessar a justiça é um direito humano, e a Defensoria é a principal porta de acesso da população ao Judiciário. E, segundo ele, o retrato mais comum do Poder Judiciário é um imenso gargalo. “Se é verdade que o Judiciário está entupido de processos, ele também está carente de demandas. Há uma série de demandas da população que estão invisíveis para o judiciário”, avaliou. Ele citou dados de levantamentos do CNJ para comprovar que a atuação da justiça também é desproporcional. “As pesquisas do CNJ se repetem com variações mínimas. Algo em torno de 45% dos presos são provisórios, 60% sem ensino fundamental, 50% com menos de 30 anos, 60% entre negros e pardos. Os pobres estão superlotando as cadeias, mas são os ricos que entopem os tribunais”, interpretou, criticando ainda a eficiência do judiciário, que  reproduz a desigualdade que lhe incumbiria reduzir.

Para Semer, instalou-se a ideia de que a justiça carece de um problema de gestão. Mas essa visão não esgota o problema e é preciso ter cuidado para, na busca por uma eficiência de gestão, não deixar de lado o que é essencial. “Eficiência é obtenção de resultado ao menor custo. Mas o resultado não pode ser alcançado a qualquer custo. Não é porque gastamos dinheiro para trazer réus presos ao fórum que vamos negar a eles esse direito. Durante muito tempo vínhamos sendo pressionados a aceitar a videoconferência. A democracia custa. O processo custa. Queremos não só ter a presença do réu, como queremos também a audiência de custodia, que em 24 horas o réu seja trazido á presença do juiz”, exemplificou.

Papel da Defensoria

O magistrado falou sobre as dificuldades que o judiciário tem de comunicação, em todos os aspectos, tanto na linguagem, quanto nas vestes e na forma de ação que imprime. “Na realidade somos servidores. Eles que estão lá sentados esperando por nos é que são as autoridades. Nós é que temos que tirar as nossas togas”, disse. Há um desconhecimento de parte a parte. E é por isso que o judiciário precisa da Defensoria. Para ajudar nesta tradução. “Como é que a gente vai conhecer o padrão de normalidade que apontamos nas sentenças se não temos contato com eles? A gente aprende que a gente recebe o advogado, parte não. A não ser que seja o banqueiro”, alfinetou.

Como única porta de acesso à justiça da população carente, a Defensoria, tem também o papel de conhecer as necessidades e organizar a sociedade para reclamá-las. “Sentar no gabinete e esperar os processo certamente dará trabalho, mas se você sair na rua a procurar, se disser às pessoas que podem pedir, porque não imaginam o direito que tem, você será capaz de atacar nas duas formas do acesso à justiça. 90% da violência policial não chega a vocês. E se não chega a vocês não chega à nos também”, apontou. Para cumprir esse papel, é preciso uma Defensoria fortalecida, sem depender de servir ao poder. É preciso que tenha estrutura para que cumpra a exclusividade. “Economizar com a Defensoria é um barato que sai caro”, reforçou.

Defensor e o estado policial

Para encerrar, abordou o direito penal, questionando a busca de um senso comum pelo Judiciário. E, segundo ele, a ideia de que recrudescimento da criminalidade justifica medidas drásticas, não é de hoje. “O que sugiro como passo importante aqui é a recuperação da ideia dos princípios penais. Precisamos entender que o direito penal tem como função limitar o poder punitivo. Não dá mais para litigar hoje sem princípios. É preciso iluminar as contradições dos princípios, entender sobretudo que principio é norma, e é norma mais importante do que a regra”, definiu.

E concluiu com a afirmação de que estamos vivendo um estado policial. “Estamos gradativamente fazendo a governança pelo crime. E o papel do defensor neste estado policial se dá em três ações principais: transformar as carências populares em demanda judicial – é preciso usar o espaço para buscar garantias fundamentais. Segundo: ser um intransigente defensor da liberdade de expressão, estar na rua quando o povo está. E terceiro: lutar contra o agigantamento dos tentáculos do direito penal. Porque todo crescimento do direito penal sempre é suportado pelos mais humildes”, explicou. E concluiu estimulando: “Se salvar uma vida é salvar a humanidade, podemos ter a certeza quando colocamos a cabeça no travesseiro que, a cada noite, salvamos um pouco a humanidade”, finalizou.

Fonte: Anadep

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